Mônica Scaramuzzo
11/09/2008
Fonte: Valoronline
Davilym Dourado/Valor

José Roberto Serra, da Codesp, afirma que o porto de Santos está no limite
As exportações brasileiras de álcool alcançaram 623 milhões de litros no mês de agosto - volume recorde para um único mês. Se os embarques continuarem nesse ritmo, o efeito no curto prazo será como se uma gota d'água fizesse um copo inteiro transbordar. Essa metáfora traduz a real situação dos portos brasileiros: a capacidade de escoamento de etanol está muito próxima do seu limite.
Poucos investimentos diretos foram feitos nos últimos anos em terminais de álcool. Apenas adaptações da infra-estrutura existente. Dois grandes projetos, se concretizados, poderão mudar esse cenário, atualmente quase caótico.
Os grupos Cosan, Copersucar, Crystalsev e outras dez usinas anunciaram investimentos em torno de US$ 1 bilhão para a criação da Uniduto. A companhia será responsável pela construção de alcoodutos e um terminal de álcool em Santos (SP). O projeto, que ainda não saiu do papel, depende de aprovação de licenças ambientais e deverá entrar em operação em cinco anos. A estatal Petrobras também tem um megaprojeto de alcooduto, igualmente em torno de US$ 1 bilhão, mas que ainda está em fase inicial.
Há dez anos, o Brasil exportava aproximadamente 200 milhões de litros anuais de álcool. Neste ano, a estimativa é que os embarques alcancem 4,5 bilhões de litros. Se nada for feito no curto prazo, portanto, a atual infra-estrutura não dará conta da demanda e o sonho brasileiro de transformar o etanol em commodity global ficará ainda mais distante.
Maior da América Latina, o porto de Santos (SP) fez recentes investimentos, em torno de R$ 150 milhões, para adaptar alguns terminais líquidos para etanol. Mesmo assim, opera no seu limite, segundo José Roberto Serra, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que administra o porto paulista. "Nossa capacidade é para no máximo 4 bilhões de litros por ano. Em 15 anos, a perspectiva é de que as exportações atinjam 20 bilhões de litros".
Em Santos, há um único terminal específico para álcool - o Teas (Terminal de Álcool de Santos). Boa parte das companhias sucroalcooleiras aluga terminais para exportar sua produção, inclusive a Copersucar, que possui um terminal próprio para açúcar no mesmo porto.
"Embarque acima de 600 milhões de litros mensais já representa que as operações estão no limite", afirma Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. Segundo Nastari, se as usinas exportassem 600 milhões de litros por mês, não haveria capacidade suficiente nos portos nacionais para realizar essa operação. "O fato é que neste momento o país não embarca esse volume o ano todo, sobretudo na entressafra", observa Nastari.
"Investimentos têm de ser feitos com urgência. Mas, para isso, é preciso que haja um fluxo de entrada e saída de forma permanente", observa Nastari. É por conta desse raciocínio que muitos projetos ainda não saíram do papel.
Com um projeto milionário, a Petrobras anunciou a construção de alcooduto no país, com parceiros estratégicos, como a japonesa Mitsui e a Camargo Corrêa, mas esse projeto ainda não foi levado adiante. A estatal garante que o projeto se concretizará, com a construção de 1.056 quilômetros de dutos, interligando as principais regiões produtoras de álcool, de Senador Canedo (GO) até Paulínia (SP). A partir daí, o álcool poderá ser escoado pelo Rio de Janeiro, em Ilha D'Água, e também por São Sebastião (SP). O projeto está na chamada fase zero (adaptações das instalações existentes).
No mercado, entretanto, as apostas são de que apenas um alcooduto vingará. Ou aquele coordenado pela iniciativa privada ou o da Petrobras. Uma outra vertente de especialistas aposta na parceria entre a iniciativa privada e a estatal para a construção do alcooduto.
O investimento em um terminal portuário para etanol está estimado em cerca de US$ 200 milhões, de acordo com a Datagro. "O aporte mais caro é o do terreno", afirma Nastari. E por conta da escassez de terreno, a Uniduto terá um terminal monobóia (flutuante), de acordo com Paulo Diniz, vice-presidente financeiro e de relações com os investidores do grupo Cosan.
Com a expansão canavieira por novas fronteiras agrícolas do país, outros portos começam a se estruturar para escoar a produção de álcool. No porto de Vitória (ES), por exemplo, alguns ajustes foram realizados para atender à necessidade do mercado, diz José Luiz Campo, diretor-superintendente da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo).
O porto de Vitória é estratégico para o escoamento de álcool de Minas Gerais, cita Campo. "Já temos condições para exportar etanol neste mês", diz. Essas adaptações absorveram R$ 60 milhões. O porto tem restrição de calado, mas novos aportes serão feitos para recepcionar navios Panamax, de grande porte.
Na região Nordeste, o porto de Suape (PE) tem seu próprio terminal para álcool no Temape (Terminais Marinhos de Pernambuco), segundo Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar/PE). No Paraná, as usinas do Estado também têm seu próprio terminal para exportação de álcool, o Paraná Álcool SA.
Como a expectativa é que os volumes de exportação avancem e atinjam pelo menos 7 bilhões de litros até 2014, segundo a Datagro, mesmo com esses recentes investimentos a infra-estrutura é insuficiente. "E a possibilidade de que os embarques atinjam esses volumes antes de 2014 existe", diz Nastari.
Segundo ele, o gargalo também é complicado durante o processo de transporte de álcool até os terminais portuários. "Cerca de 95% do transporte do álcool das usinas até os portos é feito via caminhão", afirma. "Há iniciativas para que sejam feitos por ferrovias, mas ainda não são relevantes". A forte demanda provocou um aumento expressivo do frete, em torno de 40%, nos últimos 12 meses.
Além de concorrer com os grãos, o transporte de álcool disputa espaço com o biodiesel, segundo Nastari. "O biodiesel fica concentrado em poucas regiões produtoras e tem de ser escoado para todo país." No centro-sul, a situação é ainda mais delicada. A distância mínima de uma usina de Ribeirão Preto a Santos, por exemplo, é de cerca de 300 quilômetros. Na região Nordeste, são mais ou menos 50 quilômetros.
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