
As mulheres brasileiras não ocupam mais cargos de poder nas empresas porque não querem. E muitas delas já não buscam a igualdade, mas a eqüidade. É o que revela, nesta entrevista, Leda Machado, diretora de recursos humanos para América Latina da Emerson Network Power e professora do Ibmec São Paulo
A questão de gênero é foco de pesquisas acadêmicas da administração no Brasil?Não, há bem poucos trabalhos escritos sobre gênero e administração no
Brasil. No Ibmec São Paulo, eu falava de gênero
en passant quando ensinava
comportamento organizacional. Ministrei duas disciplinas, que eu mesma concebi:
Gênero e Desenvolvimento Organizacional; e Gênero e Talento. Mas isso é exceção.
O que existe, de modo geral, são estatísticas do tipo “poucas mulheres chegam a
presidente de empresa”, “poucas mulheres ocupam cargos executivos”. Não há
realmente estudos tentando entender por que isso acontece.
Você fez mestrado e doutorado a respeito de gênero. O que a levou a interessar-se por esse assunto?Esse assunto sempre me chamou a atenção. E acho que não foi à toa. Quando
decidi fazer os cursos de pós-graduação e escolhi a unidade de planejamento de
desenvolvimento da University College London, uma das razões foi o trabalho que
essa unidade desenvolvia sobre a questão de gênero. Depois, quando retornei ao Brasil,
percebi que, apesar da importância, a questão de gênero não era levada em conta, nem
nas políticas públicas. Mais tarde, na primeira empresa em que ingressei, só havia duas
diretoras mulheres; a outra saiu e sobrei apenas eu. Depois, em uma segunda empresa,
eram sete sócios homens e eu como única diretora mulher. No Instituto Gallup, havia
uma só gerente mulher e eu de diretora mulher. E, no meu atual trabalho, na Emerson
Brasil, eu sou a única diretora mulher.
Esse interesse também tem a ver com as influências que trago pelo fato de ser
mulher e outras de fora do universo da administração e de fora do Brasil.
Não há estudos tentando entender por que há tão poucas mulheres em cargos de alto escalão. Mas pelo menos se desconfia por que há tão poucas mulheres nessas posições?O fato é que, quando alguém chega a determinado nível na carreira, seja homem
ou mulher, tem talentos para alcançar tal posição. Eu particularmente acho que as
mulheres não chegam tanto, ou seja, não ocupam mais cargos de comando, principalmente por opção. É uma questão estratégica. Se uma mulher sabe que terá de abrir mão de várias coisas para chegar lá, por que fará isso?
Admito que me incomoda profundamente colocar a mulher como vítima, dizer
que ela não chega lá porque é discriminada. Existe discriminação, sim, mas
principalmente no segmento de mais baixa renda. Em certa classe média alta, os pais
estudaram, criaram a filha mais ou menos como o filho, ela pôde escolher a
universidade em que estudou, não tem perfil de vítima, absolutamente. Tem opções.
O que significa exatamente “ter opções”?Poder de escolha. Em primeiro lugar, nem todo mundo tem o sonho de chegar lá
em cima. Em segundo, os conceitos de poder e de sucesso são diferentes para homens e
mulheres. Esses conceitos são uma questão de gênero. A mulher é estimulada desde
sempre a cuidar do outro, por exemplo, e isso é uma forma de poder. Sucesso, para
muitas mulheres, é ter um trabalho que a preencha emocionalmente e que lhe garanta
tempo para fazer outras coisas, não necessariamente o que remunere melhor. Ou seja,
a competitividade da mulher se manifesta de maneira diferente.
Por quê?A contrução de gênero vem desde que você nasce, desde a maternidade. Eu não
acho que o médico, na hora do parto, pegue o menino e a menina de maneira igual. As
expectativas dos pais também variam conforme sabem que esperam um menino ou
uma menina. Se for menina, o quarto vai ser assim; se for menino, vai ser assado. E,
quando se vai crescendo, alguns talentos são mais aceitos –e estimulados– em meninos
e outros mais apreciados em meninas.
Competitividade não é um talento apreciado em mulheres, então?Quando ele é algo declarado em uma mulher, é interpretado como agressividade
e, portanto, tende a ser coibido. A menina deve comportar-se bem, não pode gritar,
porque é feio. Isso é reforçado constantemente.
Uma pesquisa feita no Canadá mostrou que vários talentos vistos como positivos
para homens são considerados negativos para mulheres e vice-versa. Então, se uma
mulher é competitiva, é vista como agressiva e impulsiva.
E os problemas não acabam por aí: as mulheres são analisadas por aspectos que
não importam no caso dos homens. Por exemplo, é um dado importante se uma
mulher se casou ou não, se tem filhos ou não. Isso é menos levado em conta quando se
pensa em um homem.
Então, as coisas não têm mudado como parecem?Mudam, trata-se de uma construção social. Por exemplo, no Brasil de hoje, existe
um pudor social em ser uma mulher que não faz nada profissionalmente, que é dona-de-
casa. Se ela falar isso, é malvista, principalmente na classe média alta. Ter uma
profissão passou a ser, de certo modo, um atributo desejável no gênero feminino.
Até se aceita que uma mulher pare de trabalhar por alguns anos, para ter filho,
mas poucas mulheres querem isso, na verdade. Ao contrário: muitas nem tiram toda a
licença-maternidade à que têm direito, porque querem voltar a trabalhar logo.
Cresceram em um ambiente em que homem e mulher trabalham fora e não sabem agir
diferentemente.
Mas mudou a imagem da mulher nas empresas brasileiras?Isso varia de caso para caso e eu tenho certo pudor de fazer generalizações sem
pesquisas em que me apoiar. Mas, se você for a uma empresa cuja cultura é predominantemente masculina, a mulher que entrar lá terá características mais masculinas. Talvez essa mulher passe alguma dificuldade em seu dia-a-dia, sendo vista, possivelmente, como uma pessoa difícil. Se fosse um homem, essas características seriam mais bem aceitas.
Um diretor de vendas, que é direto, objetivo, cheio de energia e não aceita “não”
como resposta, pode ser agressivo, mas, de uma mulher, ainda não se espera isso. Há
para as pessoas um choque entre a imagem idealizada da mulher e o que ela é de fato.
Isso depende muito da empresa. As empresas norte-americanas, por exemplo,
tendem a aceitar mais o confronto, enquanto isso é mais difícil em empresas familiares
brasileiras, por exemplo.
Há aí também uma questão de geração: quem tem 30 anos de idade cresceu com
um modelo diferente e hoje lida melhor com isso do que a geração de 60 anos.
O homem está deixando vir à tona sentimentos como sensibilidade,
preocupação com o outro, mais flexibilidade. Na verdade é um equilíbrio. O ideal
seria que não houvesse diferenças de gênero, mas diferenças de pessoas.
Ainda existe no Brasil o tal ciclo de adaptação da mulher ao mercado de trabalho?Refiro-me àquele processo de ela começar adquirindo características mais masculinas, sofrer uma crise e depois fazer as pazes com suas características femininas…Vejo isso como um fenômeno mais típico da década de 1960, não só no Brasil, mas no mundo ocidental. As executivas daquela época tendiam a mimetizar mais os homens mesmo.
Não é que isso tenha acabado exatamente, mas vale para mulheres e homens.
Quando você entra no mercado de trabalho como estagiário, por exemplo, ainda está
inseguro em relação a quem você é. E naturalmente vive esse processo que você
descreveu, começando por mimetizar uma pessoa que você admira e por absorver o
ambiente a seu redor como esponja, e assim vai construindo sua maneira de ser
executivo. Esse ingresso da pessoa na profissão é como um bebê que começa a andar:
ele cairá muito até pegar o jeito.
Mas essa regra se submete às características individuais, que falam muito alto.
Pegando um exemplo extremo: uma menina muito doce que entra num ambiente
masculino não vai conseguir ser muito masculina, por mais que tente, porque ela não é
assim. Ela pode aprender a ser mais direta, e até gastar uma energia imensa nisso, mas
nunca terá as características masculinas de fato.
Deixe-me só insistir um pouco nisso: a Carly Fiorina na presidência da HP não
mimetizou características masculinas? Quando ela saiu, depois da aquisição da
Compaq, que se mostrou um mau negócio, todos a criticaram dizendo que era
muito dura, autoritária, não dava atenção aos outros. Ou seja, reclamaram de suas
características masculinas…
O caso dela é muito interessante. Quando ela estava fazendo sucesso, ninguém
falou nada, pelo menos abertamente. Quando deu errado, vieram milhões de críticas.
O que ela era não mudou porque a aquisição da Compaq não foi satisfatória. O que aconteceu?Para mim, não há uma questão de gênero aí nem de ciclo de adaptação. Houve
choque cultural. A Carly Fiorina veio de uma cultura diferente da cultura da HP, que
era muito mais de socialização. A única observação de gênero, nesse caso, é que muitas
pessoas ficaram contentes com o insucesso dela. Não sei se aconteceria o mesmo com
um homem.
Quais são os sinais exteriores de que uma mulher já se sente segura na profissão?No Brasil não há tantas executivas assim para poder comparar, mas posso citar
uma curiosidade reveladora: quanto mais segura a mulher se sente profissionalmente,
mais ela usa salto alto. Ela começa usando salto baixo e o tamanho do salto vai subindo
com a experiência. Mulheres brasileiras são naturalmente vaidosas e não abriram
mão disso.
Em sua opinião, as mulheres estão influenciando os homens?Acho que estão, sim. Essa talvez seja a grande novidade. Eles andam mais
vaidosos do que eram. Você vê executivos de idade mais avançada lamentando não ter
feito a opção de ver seus filhos crescer. O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal,
especialmente entre trabalho e vida afetiva, está sendo perseguido por um número
cada vez maior de homens também.
Eu queria que você contasse um pouco de sua experiência com mulheres de baixa renda…Fiz minha pesquisa de campo em 1985, no Movimento da Zona Leste,
coordenado por mulheres. Eu fui adotada por elas até porque estava grávida e tive o
privilégio de conviver com elas durante um ano, todos os dias.
O movimento começou dentro da igreja: umas freiras modernas organizaram
um encontro de mulheres para fazer crochê que depois passaram a discutir notícias de
jornal. Aí elas identificaram o problema de saúde e da falta de um centro de saúde no
bairro. Conseguiram. Em 1985, o movimento já tinha dez anos e acumulava várias
conquistas, não apenas o centro de saúde.
O que me interessou nesse movimento social foi o fato de o conselho formado
por mulheres ter sido ignorado pelos vários acadêmicos que o haviam estudado.
Ninguém prestou atenção a esse fato! Eu até perguntei a um desses acadêmicos o
porquê disso e ele disse que não era relevante, revelando um olhar enviesado.
As mulheres que conduziam o movimento não eram mães de filhos pequenos;
eram avós, mas faziam reivindicações como mães. O movimento se tornou o trabalho
delas, o que legitimava sua saída de casa e ficar até tarde em reuniões, e lhes
proporcionou o aprendizado de várias coisas –muitas só então aprenderam a pegar
ônibus, por exemplo. Elas cresceram como pessoas, e isso não tem volta.
As filhas perceberam como as mães mudaram, ficaram mais amigas, passaram a
discutir sexualidade. Foi um processo muito bonito que afetou a mulher, a família da
mulher e a comunidade. E eu aprendi muito.
Diante disso, quando se fala que a mulher executiva ainda não tem o espaço que merece, parece choradeira despropositada…De certa forma, sim. Essas mulheres de baixa renda conseguiram ter opções na
vida, mesmo sendo muito mais discriminadas.
Mas, além disso, há que considerar que o mundo executivo ainda tem muito
mais homens do que mulheres. Muitas mulheres não seguem a carreira executiva: vão
ser médicas, pintoras, jornalistas… E as que seguem podem ter perfil para ser
presidente e não querer isso, ou podem não ter o perfil, independentemente
do gênero.
A questão do salário menor da mulher executiva é um mito?Não posso dizer que é um mito, porque não tenho dados para isso. Mas o fato é que nunca vimos uma pesquisa no Brasil que realmente demonstre diferença de salário
entre homens e mulheres com funções equivalentes no mundo executivo.
Há estudos internacionais apontando que a mulher ganha 30% menos. Mas aí é
preciso perguntar: que mulher? Que tipo de indústria? Em que nível da hierarquia? No
nível executivo, não existe diferença. Não é que o homem presidente vai ganhar mais
que a mulher presidente. Acredito que possa existir em níveis que exigem menos
formação, como o de fábrica, mas até isso parece ter sido mais comum no passado do
que hoje, quando todos têm acesso à informação.
Se alguém que ler esta entrevista tiver uma informação diferente da minha, eu
gostaria que me contatasse.
Nesta época de tantas mudanças, a mulher sai mais prejudicada do que o homem?Não a mulher executiva particularmente, mas talvez a mulher de modo geral. O
que acontece é que, quando novos ciclos econômicos são criados, os homens
ingressam nos trabalhos novos e as mulheres pegam os trabalhos menos remunerados,
como é o caso do professor no Brasil. Sessenta anos atrás muitos homens eram
professores primários; foram conquistando outros espaços e as mulheres é que ficaram
com esses cargos.
Você já disse em uma palestra que o talento predominante na América Latina é o do relacionamento. Ao mesmo tempo, a capacidade de relacionar-se costuma ser algo atribuído mais à mulher. O que isso significa? Que a mulher brasileira perde vantagem competitiva ou que o homem brasileiro é mais feminino?A mulher brasileira não perde o diferencial competitivo, não, porque o talento
da competição se manifesta de uma maneira diferente nas mulheres e nos
homens. Também não é que o homem brasileiro seja mais feminino. Apenas o
talento de relacionamento está bem presente no Brasil, o que significa que somos
bastante sociáveis.
Uma pesquisa feita pelo Gallup no final da década de 1990 mostrou que os
brasileiros em especial apresentam mais o talento de relacionamento, tanto mulheres
como homens. Existem vários estudos identificando que a dificuldade de o empresário
brasileiro fazer negócios no exterior é que ele sente a necessidade de conhecer seu
interlocutor, de estabelecer um relacionamento, mesmo que tudo seja superficial. E,
no exterior, a visão é distinta: tanto o norte-americano como o europeu têm uma
abordagem mais direta, objetiva, e nem sempre entendem ou percebem a nossa.
E quanto à afetividade? Ela não é um talento mais feminino?A mulher é mais livre para manifestar sua afetividade. Essa liberdade é uma
característica de gênero. Em geral, a menina é desde cedo estimulada a demonstrar
carinho; a ela é permitido chorar, por exemplo. Já o menino é estimulado a demonstrar
força e coragem, estimulado a competir. Mas as características de gênero são
construídas socialmente, ou seja, elas estão sempre mudando no tempo e no espaço. E,
como são processos sociais, as mudanças levam tempo para serem percebidas. Fica
mais claro se pensarmos quais eram as características de gênero da época de nossos
avós, de nossos pais e na nossa.
Na empresa ainda há desconforto diante da manifestação do sentimento ou da
emoção. Mas não é tão preto no branco assim. Eu vi a final da última edição do reality
show O Aprendiz, do Donald Trump, que foi disputada por duas mulheres. Uma delas
chorou e o Trump comentou: “Eu odiei quando você chorou. Mas eu adorei quando você chorou”. É exatamente isso que acontece na vida real. Os homens odeiam
quando as mulheres choram, porque acham que precisam fazer alguma coisa e
não sabem o quê. Eles têm a fantasia de que devem resolver o problema, quando
não precisam fazer nada; basta que a deixem chorar. Mas, por outro lado, o choro
toca os homens profundamente, até porque remete à dificuldade que eles têm de
expressar emoções.
Como diretora de recursos humanos de uma grande empresa, você acha que a mulher pode chorar no trabalho?Eu acho legítimo qualquer pessoa chorar no trabalho, ou demonstrar raiva,
desde que seja uma emoção autêntica, construtiva, e não para se fazer de vítima. Eu,
por exemplo, me emociono muito no trabalho.
Lembro que uma vez que me emocionei e chorei quando fui escolhida para homenagear um colega. Recebi aplausos, além de comentários de “nossa, como você é humana”. Depois eu entendi melhor essa reação das pessoas. Não é esperado que um executivo se emocione e chore. Nessa empresa, demonstrar sentimentos era algo raro. Em geral, espera-se que uma pessoa seja sempre dura, ou sempre humana. Existe uma tendência a rotular as pessoas nas empresas. Isso pode causar problemas, não?Sem dúvida. A gente faz isso com os filhos –ela é a filha charmosa, a outra é a filha
estudiosa e ele é o filho cômico– e faz o mesmo com os funcionários. É claro que as
pessoas podem pender mais para um lado que para outro, mas não significa que
fiquem estacionadas ali. Ao colocar o ser humano em uma caixinha, nós o
simplificamos, o que nos dificulta compreender o outro de uma maneira mais
abrangente. Para mim, o estimulante na vida é nos permitirmos experimentar
diferentes papéis. Um dia eu sou a protetora, em outro sou a protegida.
Afirmar que há características femininas é uma rotulação de gênero? Ou há características femininas comprovadas cientificamente que fazem diferença no ambiente de trabalho?As pesquisas de cunho fisiológico podem ser utilizadas para distorcer ou justificar
a discriminação de cunho cultural. Mas existem dois aspectos diferenciadores de
gênero que são mais uma herança cultural através dos séculos do que propriamente
algo fisiológico. Um é a capacidade da mulher de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Fizeram uma experiência com cinco homens e cinco mulheres em que todos tinham
de atender o telefone, abrir a porta e pôr água para ferver num curtíssimo intervalo de
tempo. Nenhum homem conseguiu e todas as mulheres conseguiram. O fato é que,
desde a pré-história, a mulher cuida das crianças e quem cuida de criança tem de estar
atento a tudo.
O segundo diferenciador da mulher é a preocupação com o outro, o afeto. Mas é
por isso que equipes que misturam homens e mulheres são mais eficazes; a empresa
precisa dessas características.
Diz-se também que os homens respeitam mais a hierarquia do que as mulheres. Você concorda com isso?Acho isso questionável; a mulher é mais irreverente quando se trata de
hierarquia. No movimento de saúde da Zona Leste, por exemplo, a mulher
confrontava as autoridades, colocava-se, mas isso não significa que não as respeitava. A
mulher se coloca mais, fala mais. Esses aspectos podem ser entendidos erroneamente
por alguns como desrespeito à hierarquia.De um lado, o brasileiro quer sentir-se próximo dos interlocutores em seus relacionamentos; de outro, reverencia o poder.
O Brasil é um país complexo, não?O Brasil é um país muito sutil, mais sutil que toda a América Latina.
Mesmo quando a mulher executiva brasileira decide não lutar para chegar à
presidência, não lhe sobra muito tempo para equilibrar a vida pessoal. Eu já vi
cálculos que indicam que lhe restam apenas quatro horas para cuidar da casa,
marido e filhos, pois são dez horas trabalhando e mais dez horas gastas com
necessidades fisiológicas, como dormir, comer ou exercitar-se… Isso não faz com
que a mulher precise transformar-se em uma máquina de eficiência?
A mulher brasileira se cobra muito. Tem um nível de exigência consigo mesma
que é inacreditável. Conheci uma executiva de RH que se sentia muito culpada
porque chegava em casa às 21h, via as filhas de 5 anos e 2 anos até às 22h, depois
trabalhava nas tarefas domésticas até meia-noite.
No Brasil, a casa e as roupas têm de ser extremamente bem-cuidadas, por
exemplo; não é como nos Estados Unidos ou na Europa, onde eu já visitei casas em que
havia fungo e isso não era considerado um problema. Não que eu ache isso bom; pelo
contrário, adoro cuidar da minha casa, fazer tricô, receber amigos para jantar. Mas
cada mulher precisa decidir o que é prioridade para ela.
Agora, eu não acredito nessa máquina de eficiência. Acho importante se permitir
errar bastante, porque isso é essencial para o crescimento. Você cresce mais quando
erra –embora nem toda empresa aceite erros. É o mesmo que acontece com os filhos
–embora nem todos os pais aceitem erros. Não à toa, numa empresa, as perguntas mais
interessantes para fazer a um candidato são: “Você pode me falar de um de seus erros?”
e “Como você lidou com isso?”.
Nosso atual nível de exigência está muito alto, na vida profissional, familiar e afetiva. Ninguém agüenta tanta pressão. É preciso parar para pensar o que foi que você mesmo decidiu e o que são questões tomadas pela sociedade e impostas a você. Você sugere que haja eqüidade no tratamento de homens e mulheres no ambiente de trabalho, em vez de igualdade. Pode explicar isso melhor?No começo, o movimento feminista falava em igualdade. No entanto, não
somos iguais nem física nem emocionalmente, então não podemos querer igualdade.
O que devemos buscar é a eqüidade, que é o direito aos mesmos direitos, respeito às
diferenças. Quando se fala dos departamentos de RH, a idéia deve ser que as pessoas
sejam tratadas como elas gostariam de ser tratadas.
Por exemplo, há pessoas que querem ser reconhecidas em público, outras que
preferem ser elogiadas em particular. Algumas precisam de acompanhamento
constante a vida inteira, outras necessitam menos. O RH deve respeitar isso no
tratamento do funcionário.
Não estamos mais falando em diferenças de gênero, mas em diferenças de pessoas. Não é isso?Sim, quando falo em diferenças de pessoas, estou falando do futuro que eu
gostaria de ver. Estamos num momento em que ainda discriminamos as pessoas por
gênero; espero que passemos para outro momento, o de aceitação das diferenças de
gênero; e depois chegar a uma fase em que não haveria mais gênero, importariam as
pessoas individualmente, e as diferenças entre elas seriam aceitas.
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Leda Machado é diretora de recursos humanos para a América Latina da empresa de tecnologia Emerson Network Power e professora do Ibmec São Paulo. Construiu uma carreira de desenho não tradicional. Primeiro foi acadêmica: obteve graduação em arquitetura e urbanismo, especialização em desenvolvimento urbano, mestrado em economia e doutorado em sociologia, todos pela University College London, em Londres, Reino Unido. No mestrado e no doutorado dedicou-se a estudar temas relacionados com gênero. Publicou dois livros sobre o assunto: Atores Sociais Movimentos Urbanos, Continuidade e Gênero e A Incorporação de Gênero em Políticas Públicas Perspectivas e Desafios (ambos, ed. AnnaBlume). Lecionou em cursos de graduação e MBAs da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-EAESP) e da FAAP. E recebeu, da o Prêmio Young Sociologist em 1994.
Paralelamente, atuou como consultora de empresas na área de recursos humanos, trabalhou na gestão de uma organização não-governamental e finalmente ingressou na carreira executiva. Contabiliza mais de uma década de experiência como diretora de recursos humanos e de novos negócios em empresas como a OESP Mídia, Deloitte Touche, The Gallup Organization e Emerson Network Power.
A especialista foi entrevistada por Fernanda Diamant, colaboradora de HSM Management Update.